“O pior pecado que podemos cometer contra outros seres
humanos não é odiá-los, mas sim ser indiferentes a eles: essa é a essência da
desumanidade.” Essa declaração, sem dúvida, resume o que Jesus ensinou na
parábola do bom samaritano (Lc 10:25-37).
Neemias era o tipo de pessoa que se importava. Ele se
importava com as tradições do passado, com as necessidades do presente e com as
esperanças do futuro. Ele se importava com sua herança, com a cidade de seus antepassados e com a glória de seu Deus. Seguindo a sugestão de W. Wiersbe, observa-se que Neemias revelou sua preocupação de
quatro maneiras diferentes:
1. IMPORTOU-SE O SUFICIENTE PARA PERGUNTAR (NE 1:1-3)
Neemias, identificado como filho de Hacalias, servia como
copeiro do rei Artaxerxes, que reinou sobre a Pérsia de 464
a.C. a 423 a.C. Um copeiro era muito mais do que um "mordomo" de
hoje em dia (ver Gn 40). Ocupava uma posição de grande privilégio e
responsabilidade. A cada refeição, experimentava o vinho do rei para se
certificar de que não estava envenenado. Um homem assim, tão próximo do rei,
deveria ser bem apessoado, culto, bem instruído nos procedimentos da corte e
capaz de conversar com o rei e de aconselhá-lo, caso ele o pedisse. Por ter
acesso ao rei, o copeiro possuía muita influência, que poderia usar tanto para
o bem quanto para o mal.
Deus tinha uma missão para Neemias e o colocou em Susã, da mesma forma que colocou Ester naquela mesma cidade uma geração antes e que também colocou José no Egito e Daniel na Babilônia. Quando Deus deseja realizar uma obra, sempre prepara seus servos e os coloca no lugar certo, na hora certa. Susã era a capital do império persa e onde ficava o palácio de inverno do rei. Num dia como outro qualquer, Neemias encontrou-se com seu irmão, Hanani (ver Ne 1:2), que havia acabado de voltar de uma visita a Jerusalém. Na verdade, porém, esse dia deu um novo rumo à vida de Neemias. “Num dia como outro qualquer, Moisés havia saído para cuidar das ovelhas quando ouviu o chamado do Senhor e se tornou profeta (Êx 3). Num dia como outro qualquer, Davi, que estava pastoreando seu rebanho, foi chamado de volta para casa e foi ungido rei (1 Sm 16). Num dia como outro qualquer, Pedro, André, Tiago e João estavam consertando as redes depois de uma noite frustrante, e Jesus os chamou para se tornarem pescadores de homens (Lc 5:1-11). Nunca sabemos o que Deus tem reservado para nós, mesmo numa conversa simples com um amigo ou parente; por isso, tenha sempre o coração aberto para a orientação providencial do Senhor.
O que levou Neemias a perguntar sobre um remanescente atribulado que vivia a centenas de quilômetros? Afinal, ele era o copeiro do rei e tinha uma vida bem-sucedida e segura. Por certo, não era culpa dele que seus antepassados houvessem pecado contra o Senhor e trazido julgamento sobre a cidade de Jerusalém e sobre o reino de Judá. Um século e meio antes, o profeta Jeremias transmitira a seguinte palavra do Senhor: "Pois quem se compadeceria de ti, ó Jerusalém? Ou quem se entristeceria por ti? Ou quem se desviaria a perguntar pelo teu bem-estar?" (Jr 15:5). Neemias era o homem que Deus havia escolhido para fazer exatamente isso!
Algumas pessoas preferem não saber o que está acontecendo,
pois essa informação pode implicar certas responsabilidades. De acordo com o
velho ditado: "Aquilo que você não sabe não lhe pode fazer mal". Mas
será que isso é verdade? Neemias
perguntou sobre Jerusalém e sobre os judeus que viviam lá, pois era um homem
atencioso. Quando nos preocupamos de verdade com as pessoas, queremos saber o
que se passa, por mais doloroso que seja. Aldous Huxley disse: "Os fatos
não deixam de existir só porque são ignorados". Fechar os olhos e os
ouvidos para a verdade pode ser o primeiro passo em direção a consequências
trágicas para nós mesmos e para outros.
O que Neemias descobriu sobre Jerusalém e os judeus? As más
notícias que recebeu podem ser resumidas em três palavras: remanescente,
ruínas e opróbrio. Em vez de ser uma terra habitada por uma nação
numerosa, só havia um remanescente do povo em Judá. Aqueles poucos judeus
passavam por grandes aflições e lutavam para sobreviver. Em vez de ser uma
cidade magnífica, Jerusalém estava em ruínas, e onde antes se vira grande
glória, restava apenas opróbrio.
É evidente que Neemias sempre soube que a cidade de seus
antepassados estava em ruínas, pois os babilônios haviam destruído os muros, as
portas e o templo de Jerusalém em 586 a.C. (2 Rs 25:1-21). Cinquenta anos
depois, um grupo de 50 mil judeus regressou a Jerusalém para reconstruir o
templo e a cidade. Diante da oposição que sofreram da parte dos gentios, porém,
só conseguiram completar o templo vinte anos depois (Ed 1 - 6), e os muros e
portas não chegaram a ser reparados. Talvez Neemias tivesse esperança de que os
judeus houvessem começado a trabalhar outra vez e de que a cidade estava sendo
restaurada. Sem muros e sem portas, a cidade ficava exposta ao escárnio e ao
ataque inimigo.
Será que somos como Neemias, ansiosos para saber a verdade
até mesmo sobre as piores situações? Nosso interesse procede de uma preocupação
verdadeira ou apenas de curiosidade desocupada? Quando lemos cartas de
missionários com pedidos de oração, notícias em periódicos cristãos ou mesmo
relatórios dos ministérios em nossa igreja, queremos saber dos fatos ou os
consideramos um peso? Somos o tipo de pessoa que se importa o suficiente
para perguntar?
2. IMPORTOU-SE O SUFICIENTE PARA CHORAR (NE 1:4)
Aquilo que leva as pessoas a rir ou a chorar indica, com frequência,
como é seu caráter. As pessoas que riem dos erros e desgraças dos outros ou que
choram por causa de decepções pessoais insignificantes são desprovidas de
cultura ou de caráter e, possivelmente, de ambos. Por
vezes, o choro é um sinal de fraqueza, mas no caso de Neemias, foi um sinal de
força. Na verdade, Neemias mostrou-se semelhante a Jesus em sua disposição de
compartilhar o fardo que oprimia a outros. Quando Deus coloca um peso em
nosso coração, não devemos tentar escapar, pois se o fizermos, perderemos a
bênção que ele tem reservada para nós.
O Livro de Neemias começa com "grande miséria" (Ne 1:3), mas antes de chegar ao fim, há grande alegria (8:12, 1 7). "Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã" (Sl 30:5). Assim como Daniel, Neemias tinha um aposento particular onde orava a Deus enquanto se voltava para Jerusalém. Os judeus tinham o dever de jejuar apenas uma vez por ano, no Dia da Expiação (Lv 1 6 :2 9 ), mas Neemias passou vários dias jejuando, chorando e orando. Sabia que alguém deveria fazer algo para salvar Jerusalém e estava disposto a ir até lá.
3. IMPORTOU-SE O SUFICIENTE PARA ORAR (Ne 1:5-10)
Essa oração é a primeira de doze registradas no Livro de
Neemias. O livro começa e termina com
orações. Sem dúvida alguma, Neemias era um homem de fé, que dependia inteiramente
do Senhor para ajudá-lo a realizar o trabalho para o qual o havia chamado. Nas
palavras do escritor escocês George MacDonald: "Em tudo aquilo que o homem
faz sem Deus, fracassa miseravelmente ou é ainda mais miseravelmente bem-sucedido".
Neemias foi bem-sucedido porque dependeu de Deus.
A cidade de Jerusalém estava em ruínas, e a nação
encontrava-se debilitada, pois o povo havia pecado contra o Senhor (ver a
oração de confissão de Esdras em Esdras 9 e a oração do povo em Neemias 9). Neemias,
depois de adoração (v.5), dedicou a maior parte de sua oração à confissão dos
pecados (vv. 6-9). O Senhor que prometeu
abençoar e disciplinar também prometeu perdoar, caso o povo se arrependesse e
voltasse para ele (Dt 30; 1 Rs 8:31-53). Era dessa promessa que Neemias estava
se apropriando ao orar por si mesmo e pela nação. Os olhos de Deus estão sobre
seu povo e seus ouvidos, abertos a suas orações (2 Cr 7:14). Essa oração humilde encerrou com uma expressão
de confiança (vv. 10, 11).
Em primeiro lugar, Neemias confiava no poder de Deus. Quando a
Bíblia fala dos olhos, ouvidos e mãos do Senhor, apenas emprega linguagem humana
para descrever atividades divinas. Deus é espírito e, portanto, não possui um
corpo como o dos seres humanos. No entanto, ele é capaz de ver as necessidades de
seu povo, de ouvir suas orações e de operar em seu favor com mão poderosa. Neemias sabia que não tinha forças para reconstruir
Jerusalém, mas acreditava que Deus operaria em seu favor.
Além disso, confiava na fidelidade de Deus.
"Estes ainda são teus servos e o teu povo" (v. 10). Ao trazer a
Babilônia para destruir Jerusalém e levar o povo cativo, Deus aplicou-lhe uma
disciplina dolorosa, mas não o abandonou! Ainda eram seu povo e seus servos.
Ele os havia resgatado do Egito com seu grande poder (Êx 14:13-31) e também os
havia libertado do cativeiro na Babilônia. Não iria, então, em sua fidelidade,
ajudá-los a reconstruir a cidade?
Neemias confiava que Deus levantaria outras pessoas para
ajudá-lo em seu trabalho. Tinha certeza de que muitos outros judeus também
estavam orando e que se juntariam à causa, uma vez que soubessem que Deus
estava agindo. Os grandes líderes não são apenas pessoas de fé que
obedecem
ao Senhor e que avançam corajosamente, mas também são aqueles
que desafiam outros a acompanhá-los. Não se pode ser um verdadeiro líder a menos que se tenha seguidores,
e Neemias conseguiu pessoas para ajudá-lo a cumprir sua missão.
Por fim, Neemias estava certo de que Deus tocaria o
coração de Artaxerxes, garantindo assim que a empreitada teria o apoio
oficial necessário (Ne 1:10). Neemias não poderia simplesmente pedir demissão de
seu trabalho e se mudar para Jerusalém. Havia sido nomeado para seu cargo pelo rei
e necessitava da permissão de Artaxerxes para tudo o que fazia. Além disso,
precisava que o rei fornecesse provisões e proteção, a fim de que fosse capaz
de viajar para Jerusalém e de ficar afastado de seu cargo até que tivesse
concluído o trabalho. Sem a autoridade oficial para governar, sem uma guarda oficial
para a jornada e sem o direito de usar materiais dos bosques do rei, o projeto todo
estaria condenado ao fracasso. Os monarcas do Oriente eram déspotas absolutos, e
não era fácil abordá-los nem convencê-los de algo. Porém: “Como ribeiros
de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer,
o inclina” (Pv 21:1).
Com muita frequência, fazemos nossos planos e, então, pedimos
que Deus os abençoe; mas Neemias não cometeu esse erro. Sentou-se e chorou (Ne
1:4), ajoelhou-se e orou e, depois, levantou-se e se pôs a trabalhar, pois
sabia que tinha a bênção do Senhor sobre o que estava fazendo.
4. IMPORTOU-SE O SUFICIENTE PARA SE DISPOR A TRABALHAR
( N e 1 : 1 1 )
Alguém afirmou, com razão, que orar não é conseguir que a
vontade do homem seja feita no céu, mas que a vontade de Deus seja feita na
terra. Porém, a fim de que sua vontade se cumpra na terra, ele precisa de pessoas
dispostas a serem usadas por Ele.
Deus faz "infinitamente mais do que tudo quanto pedimos
ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós" (Ef 3:20). Para que
Deus responda às orações, deve começar operando na vida daquele que está
orando! Trabalha em nós e por meio de nós para nos ajudar a ver nossas orações serem
respondidas.
Enquanto Neemias orava, o peso que sentia por Jerusalém em
seu coração tornava-se cada vez maior, e sua visão do que precisava ser feito
ficava cada vez mais clara. A verdadeira oração mantém o equilíbrio entre nosso
coração e nossa mente, de modo que o peso que sentimos não nos impacienta a
ponto de desejarmos correr à frente do Senhor e estragar tudo. Quando oramos, o
Senhor nos diz o que fazer, quando fazê-lo e como fazê-lo, sendo que tudo isso
é importante para que a vontade de
Deus se cumpra. Neemias planejou oferecer-se para ir a Jerusalém
e supervisionar o trabalho de reconstrução dos muros da cidade. Não orou pedindo
que Deus enviasse outra pessoa, não argumentou
que lhe faltava o preparo para uma tarefa tão difícil. Simplesmente disse: "Eis-me
aqui, envia-me a mim!" Sabia que teria de abordar o rei e de pedir sua
permissão para se ausentar. As palavras dos reis do Oriente significavam vida
ou morte. O que aconteceria se Neemias abordasse Artaxerxes no dia errado,
quando o rei estivesse indisposto ou descontente com algo ou alguém
no palácio? Sob todos os pontos de vista, Neemias tinha
diante de si uma prova de fé, mas sabia que seu Deus era um grande Deus e que o
ajudaria até o fim.
O copeiro do rei teria de sacrificar o conforto e a segurança
do palácio pelos rigores e perigos da vida numa cidade em ruínas. No lugar do
luxo, haveria escombros e no lugar do prestígio, haveria zombaria e maledicência.
Em vez de partilhar da fartura do rei, Neemias teria de pagar pessoalmente
para manter inúmeros trabalhadores que comeriam à sua mesa. Deixaria para trás o sossego do palácio e tomaria sobre si a difícil incumbência de encorajar um povo abatido e de concluir uma tarefa quase impossível. Com a ajuda de Deus, ele conseguiu! Em cinquenta e dois dias, os muros foram reconstruídos, as portas foram restauradas e todo o povo estava se alegrando! Tudo começou com um homem que se importou.
Abraão se importou e salvou Ló de Sodoma (Gn 18 - 19). Moisés se importou e livrou os hebreus do Egito. Davi se importou e conduziu a nação e o reino de volta ao Senhor. Ester se importou e arriscou a vida para salvar sua nação do genocídio. Paulo se importou e levou o evangelho a toda parte do império romano. Jesus se importou e morreu na cruz por um mundo perdido. Deus ainda está procurando pessoas que se importam, pessoas como Neemias, que se importam o suficiente para querer saber os fatos, para chorar sobre as necessidades, orar pedindo a ajuda de Deus e, então, dispor-se a fazer o que é preciso.
* Este texto é uma adaptação do comentário de Warren Wiersbe do livro de Neemias.