A epístola aos hebreus é, sem dúvida nenhuma, um dos escritos neotestamentários mais obscuro quanto ao pano de fundo histórico. Contudo sua mensagem se reveste de valor inestimável, pois descreve a supremacia do cristianismo em relação a outras religiões. Para Calvino, depois da carta de Paulo aos Romanos, Hebreus a segue em importância. Portanto ainda que algumas questões não possam ser respondidas de forma satisfatória, devemos nos esforçar nas na tentativa em respondê-las, a fim de que tenhamos uma melhor compreensão do seu conteúdo.
Uma Destas questões é quanto a autoria d carta. Muitos nomes têm sido indicados: Paulo, Barnabé, Lucas, Clemente de Roma e Apolo. Origines foi o mais sábio na tentativa de identificá-lo: “O caráter de estilo da epístola aos Hebreus carece da rudeza expressiva do apóstolo (refere-se a Paulo); a epístola, idiomáticamente, é mais grega na composição de suas locuções. Aquele que está capacitado para reconhecer diferenças de estilo, poderá verificar isto. Mas, por outro lado, os pensamentos da epístola são admiráveis e de nenhuma maneira inferiores àqueles reconhecidos como escritos pelo apóstolo (...) porérm, quem foi o verdadeiro autor da carta, Deus sabe a verdade do assunto”[1]. Embora o autor nos seja desconhecido, sabemos, por outro lado, que o mesmo estava familiarizado com seus leitores (veja-se: 5.12; 6.9; 13.18,19, 23-24), conhecia Timóteo (13.23) e que pelo conhecimento do ritual judaico seria, provavelmente, judeu.
Esta epístola é dirigida a uma comunidade de crentes, onde seus leitores eram cristãos judeus. W. Manson sugere que a epístola toda estava dirigida a uma minoria de hebreus, que formavam uma seção da igreja judeu-cristã de Roma[2]. O que nos leva a datá-la no período anterior da perseguição de Roma em 64 d.C. “Moule aprecia a opinião... de que a epístola foi escrita antes de 70 A .D., quando ao rebentar a guerra judaica, uma onda de patriotismo pode ter perfeitamente varrido a palestina até cobrir toda a diáspora do judaísmo, constituindo uma grande tentação para que os cristãos judeus revertessem ao judaísmo”[3]. Portanto, o autor escreve a uma comunidade que teve que suportar uma perseguição severa por causa da fé em Jesus Cristo (10.32), alguns negligenciavam a assembléia pública (10.25) e outros apostataram de forma irrevogável (6.1-6); 10. 26-31). O autor recorda-lhes, então, o sofrimento de cristo (12.2,3) e exorta-os: “Ora na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até o sangue” (v.4). Referia-se a um combate mortal. Desta forma, estava afirmando que eles ainda não haviam sido chamados a selar o seu testemunho com o próprio sangue. Ou como nos Lightfoot, “o teste deles não tinha sido do tipo mais severo, pois até aquela ocasião nenhum deles tinha morrido como mártir pela causa de Cristo”[4]. Na verdade estava dizendo que não era tempo de ficarem desencorajados, houveram irmãos (cf. cap. 11) que haviam permanecido firmes em meio a sofrimentos muito piores. Calvino afirma “que não há razão para pedirmos do Senhor um descanso, seja qual for o serviço que tenhamos prestado; pois Cristo não licenciará a seus soldados até que tenham conquistado a mesma morte”[5]. Em vez disso deviam dar-se conta que suas lutas presentes eram um sinal do amor de Deus por eles, revelando o Seu cuidado paternal. Contudo, a submissão à correção de Deus se faz necessária para evidenciar este cuidado, conforme observa Calvino: “...o apóstolo nos demonstra que as correções dó são paternais quando obedientemente nos submetemos a Ele”[6].
Deus se tem utilizado, muitas vezes, de provas difíceis e duras como métodos de nos disciplinar e como sinal de que realmente somos filhos amados de Deus (Hb 12.5,6). “Por meio de provações e dificuldades Deus treina seus filhos no caminho que deseja que sugam, e que essas dificuldades em lugar de servirem para indicar o desagrado de Deus, são na realidade uma prova de seu amor”[7]. Isto é claramente percebido no versículo 7, do capítulo 12, pois a falta de interesse de um pai em aplicar a correção é sinal de ilegitimidade, ou seja, “se Deus não se preocupassem em discipliná-los, então não seriam seus filhos”[8]. Observamos o que o autor diz em 5.8: “Embora sendo Filho (com referência a Cristo), aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu”.
Não nos esqueçamos que nosso Pai Celestial nunca irá nos impor uma disciplina que não seja para o nosso bem (Romanos 8.28). E o bem supremo que Deus tem para seus filhos é este: que eles participem de Sua santidade. “Os castigos de Deus estão destinados a subjugar e mortificar nossa carne, a fim de que sejamos renovados para uma vida celestial”[9]. Assim, a participação na santidade de Deus não pode ser interpretada literalmente, senão como meio que nos exercita na mortificação da carne. Portanto, a santidade é a meta pela qual Deus está preparando o seu povo, a qual será consumada de forma plena na manifestação final da glória de Cristo. Em nossas lutas não nos deixemos desanimar, antes, cientes de sermos filhos de Deus e que, por Ele mesmo, somos santificados, “corramos com perseverança a carreira que nos está proposta”.
[1] Citado por F.F. Bruce in La Epistola a los Hebreos, p.xxxvii.
[2] Ver F. F. Bruce, op.cit., p. xxiv, notá de rodapé no. 8.
[3] Citado por N. R. Lightfoot, Hebreus, p.37, cf nota de rodapé no. 40.
[4]Op.cit., p.283.
[5] Epistola a los Hebreos, p. 278.
[7] Lightfoot, op. Cit., p.284.
[8] F.F. Bruce, op. Cit., p.360.
[9] Calvino, op. Cit. P.281.
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