quinta-feira, outubro 26, 2006

O Evangelho de Judas

Vez por outra a mídia lança propagandas e especulações anticristãs, voltadas mais especificamente contra a Igreja Católica Romana, mas que afetam também o protestantismo, principalmente as Igrejas históricas. As revistas Superinteressante e National Geographic estão sempre veiculando notícias na tentativa de abalar o cristianismo. Ataques tentando destruir os princípios cristãos, fundamentados nas Escrituras, não são novidades em nossos dias. Desde os primórdios do cristianismo isto ocorre. Foram muitas as heresias que surgiram no início, principalmente com referência a Cristologia. Com isto a Igreja reuniu-se em concílios para refutarem os erros.
O Evangelho de Judas é um documento arqueológico datado por meados do II século, escrito não por Judas, mas por uma seita intitulada Cainitas. Creio que a observação feita pelo Rev. Augustus Nicodemos é pertinente: “Como pesquisador e estudioso do Novo Testamento estou sempre aberto para descobertas arqueológicas e novas pesquisas que nos tragam subsídios para melhor entendermos o mundo do Novo Testamento e a sua mensagem. Creio que a publicação do evangelho de Judas contribui para nossa compreensão do gnosticismo e da seita dos cainitas”.
Em 1945 camponeses egípcios encontraram um conjunto de textos gnósticos, enterrados em um jarro de cerâmica próximo a cidade de Nag Hammadi. Entre estes textos a “Carta a Filipe”, atribuída ao apóstolo Pedro e “Revelação de Jacó”. Depois de uma peregrinação nas mãos de colecionadores, bibliotecas, comerciantes de antiguidades, chegou às mãos das autoridades. Em 2004 foi anunciada ao mundo a descoberta de um códice com 25 páginas de papiro, envolta em couro, das 62 páginas do código original. Somente essas 25 páginas foram resgatadas pelos especialistas e é a tradução deste códice que veio a lume agora.
Este documento é escrito na língua copta, egípcio escrito com caracteres gregos, e segundo um especialista, em reportagem a revista National Geographic, afirma que “Nós todos nos sentimos à vontade situando a origem no século 4º”. Contudo, por volta do ano 180, Irineu, bispo de Lyon, escreveu um volumoso tratado intitulado “Contra as Heresias” e, nesta obra, o bispo atribui a autoria deste evangelho a um grupo gnóstico cainitas e citando desta obra declarando-a espúria.
Gnosticismo vem do grego gnosis, “conhecimento”. É um movimento antigo que floresceu na Babilônia, Egito, Síria e Grécia e posteriormente procuraram se amalgamar ao ensino de Cristo, desviando os cristãos mediante a manipulação das palavras e a torção dos significados das Escrituras. Alguns consideram o gnosticsmo “como produto da combinação entre a filosofia grega e o cristianismo” (EHTIC, 203). Tertuliano, um dos defensores do cristianismo escreveu: “O que mesmo Atenas tem a ver com Jerusalém? Que concórdia há entre a Academia e a Igreja? O que há entre os hereges e os cristãos?... Fora com todas as tentativas de produzir um cristianismo misturado, composto de modo estóico, platônico e dialético”.
Os gnósticos não eram um grupo homogêneo. Defendem a idéia de que o homem carrega dentro de si uma fagulha divina dentro de si e enxergavam o papel e os ensinos de Jesus de modo bem distinto dos cristãos.
Afirmavam que Deus pertence ao mundo espiritual (portanto “bom”) e criou seres finitos chamados éons, e um deles (Sofia) dá a luz a Demiurgo, deus criador, que fez o mundo material (portanto “mau”). Se o mal está na matéria, a solução lógica para o mal é a libertação deste mundo, que se dá após sucessivas passagens da alma na terra (reencarnação). Por isso que nas idéias gnósticas modernas, o corpo é visto invariavelmente como prisão do espírito.
Norma Braga afirma que “o imbróglio entre visões religiosas tão diferentes começou já nos primórdios da igreja cristã. Na tentativa de conciliação com os ensinamentos de Jesus, gnósticos como Marcião (160 d.C.) e Valentim ensinavam que Cristo é um desses seres finitos (éons) que desceu dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material terreno, para conduzi-los ao mundo espiritual mais elevado”. No evangelho de Judas há uma afirmação atribuída a Jesus que demonstra o dualismo citado: “Você (Judas) irá sacrificar o homem que me veste”.
A Bíblia ensina-nos que o mal não é criação de algum deus nem atribuído à matéria (criada e aprovada por Deus como boa em Gênesis), mas sim conseqüência da vontade de autonomia do homem, que crê poder decidir entre o bem e o mal sem a participação de Deus. A morte, resultado do desejo de autonomia do homem entrou no mundo, e uma das principais tragédias humanas é que, apesar de diferenciar o bem e o mal, o homem não consegue por si só decidir-se a favor do bem: Jo. 8.34; 6.40, 44, 37. Aqueles que reconhecem a necessidade de arrependimento deste desejo de autonomia e colocarem Deus no centro de sua vontade são salvos, e se valem do único meio de fazê-lo: o sacrifício de Jesus, o Deus encarnado, que assumiu a nossa humanidade e, portanto, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que levou no madeiro o nosso mal. A salvação está em Deus e não no homem. Devemos lembrar que Cristo morreu, mas ressuscitou não como espírito e, sim, como homem (Lucas 24.36-43).

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